quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Curiosidades sobre os Raios Solares

UOL Ciência/Stephen Alvarez/National Geographic Stock/Caters News
Majlis al Jin, no Omã
A bela foto acima, publicada no site UOL - Ciência e Saúde (clique aqui para vê-la em seu local e tamanho originais) nos revela uma incrível curiosidade sobre os raios solares que atingem a Terra: eles são praticamente paralelos! Em outras palavras, caminham lado a lado e, com muito boa aproximação, não convergem nem divergem. É exatamente o que vemos através das partículas em suspensão no ar dentro da caverna que, ao serem atingidas pelos raios solares, brilham e nos revelam o formato praticamente cilíndrico do feixe de luz solar que atravessou o buraco na superfície da Terra e mergulhou para dentro da cavidade. Para ajudar no entendimento desta ideia, veja a figura abaixo onde desenhei três (dos infinitos) raios de luz que penetram na caverna.

Raios solares praticamente paralelos entram na caverna
Se você medir com cuidado na figura acima, verá que os raios desenhados sobre a foto não estão perfeitamente paralelos. Mas isso é um efeito de perspectiva porque o fotógrafo está no fundo da caverna, um tanto quanto distante do buraco no topo da cavidade. A perspectiva atrapalha um pouco e mascara a nossa percepção do paralelismo aproximado dos raios. Mas, mesmo assim, é notável que feixe de luz é muito mais cilíndrico (raios paralelos) do que cônico (raios divergentes). Se os raios  fossem divergentes, veríamos algo mais ou menos como está na imagem abaixo onde, notavelmente, os raios não "batem" com o feixe de luz que está entrando pelo buraco.

Como seria o feixe de luz solar se os raios não fossem paralelos

Aprofundando um pouco o nosso raciocínio para entender bem o fenômeno
É fato que os raios de luz solar, quando deixam a nossa estrela, espalham-se de forma homogênea, em todas as direções, ao redor da esfera solar. Logo, é bem razoável consideramos que os raios solares que deixam o Sol divergem e, portanto, não são paralelos.
Mas apenas uma minúscula porção de toda esta energia luminosa que deixou o Sol chega a atingir o nosso planeta. A maior parte desta luz espalha-se pelo espaço e não passa nem perto da Terra. A imagem abaixo nos dá uma ideia do fato.

Raios solares que deixam o Sol e atingem a Terra (fora de escala)
Na imagem acima podemos ver dois raios de luz que, partindo de pontos quase diametralmente opostos do Sol, atingem a Terra. Na prática, apenas a porção de luz delimitada por estes dois raios (marcada em azul) chega na Terra. Todo o resto vai pro espaço. Note que estes raios estão inclinados em θ graus, ou seja, temos um cone de luz de abertura θ graus.
Esta figura está propositalmente fora de escala. O Sol, na prática, não está assim tão perto da Terra. Quanto mais distantes estiverem Sol e Terra, menor será o ângulo θ. Confira na imagem abaixo.

Raios solares que deixam o Sol e atingem a Terra (ainda fora de escala)
Mas a figura acima ainda está fora da realidade. Se colocarmos o Sol no seu devido lugar (cerca de 149,6 milhões de quilômetros do olho do observador), mantendo a proporção real de tamanhos (diâmetros do Sol e da Terra), ângulo θ diminui drasticamente. Dá para imaginar como seria isso?
Não é difícil calcular o valor deste ângulo θ (abertura do cone de luz que deixou o Sol e atinge a Terra). Já fiz este cálculo aqui e obtive um valor de praticamente 0,5o (meio grau).  Em breve colocarei esse post aqui. E meio grau é muito pouco! É praticamente zero. Portanto, podemos afirmar que na prática os raios solares que chegam na Terra são praticamente paralelos. Em outras palavras, o feixe de luz é cilíndrico.
Muito cuidado! Entenda bem o fenômeno:
  1. Os raios de luz quando deixam o Sol não são paralelos, pois divergem.
  2. Mas os raios solares quando chegam na Terra (apenas uma pequena porção do todo) são praticamente paralelos (a rigor têm inclinação θ = 0,5o). Isso porque a Terra está suficientemente afastada do Sol para tornar o ângulo θ quase nulo. É uma questão geométrica. 
Deu para entender o espírito da coisa?
Agora pare e pense: por causa deste paralelismo aproximado dos raios solares, a sombra de uma avião que voa horizontalmente, projetada no solo (horizontal), terá sempre praticamente o mesmo tamanho do avião, independente da altitude H de voo.
Visualizou o que eu disse? As figuras abaixo ajudam a entender esta curiosidade sobre os raios solares.


Sombra do avião voando mais alto, por volta do meio dia

Sombra do avião voando mais baixo, por volta do meio dia

Repare, nas quatro imagens imediatamente acima, que a sombra do avião projetada no solo horizontal tem sempre praticamente o mesmo tamanho do avião. Se os raios solares que atingem a Terra não fossem praticamente paralelos, a divergência entre eles afetaria o resultado deste experimento tal que a sombra do avião:
  1. não mais teria o mesmo tamanho do avião.
  2. teria um tamanho diferente para cada altitude de voo do avião.
As duas figuras logo abaixo ilustram os efeitos 1 e 2 apontados acima que ocorreriam caso os raios solares que chegam na Terra não fossem praticamente paralelos. 

Sombra não tem mais o tamanho do avião e depende da altura de voo


Sombra não tem mais o tamanho do avião e depende da altura de voo
Como escrevi nas duas figuras acima, para não induzir ninguém ao erro, na prática não é isso o que acontece. Com muito boa aproximação podemos considerar que os raios solares que chegam na Terra são praticamente paralelos pois estão inclinados em apenas 0,5o (meio grau).
Por fim, aproveito esta ideia descrita aqui neste post para mostrar "como funciona a cabeça de um físico". Se você fizer a mesma pergunta para aguém que não é físico e para alguém que é, poderá se surpreender com repostas diferentes, aparentemente antagônicas. Mas ambas podem estar corretas, ou pelo menos aceitáveis pelas suas justificativas lógicas. Veja:

Os raios de luz que deixam o Sol são paralelos?Os raios de luz solar que chegam na Terra são paralelos?
Não físico  Não, pois divergem bastante.Não, pois divergem em meio grau.
Físico  Não, pois divergem bastante.Sim, com muito boa aproximação, pois divergem em apenas meio grau (quase zero)
A tabela acima mostra que é prática comum do físico idealizar as situações, ou seja, assumir aproximações que são no fundo erros sob controle, minimizados, e que no final das contas não afetam de forma significativa o resultado, mas simplificam bastante o tratamento, o que chamamos de modelo. A sombra do avião no chão não tem exatamente o mesmo tamanho do avião. Mas tem quase o mesmo tamanho do avião. O erro está sob controle. E é mínimo. Nós físicos somos práticos! E quem quer aprender física precisa começar a pensar assim!


Fonte: Blog Física na Veia