sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Matemática e Música - Um passeio numérico através dos sons

"A música é uma ciência que necessita possuir um estatuto definido. Suas regras devem ser extraídas de um princípio claro, inconcebível sem o auxilio da matemática. Apesar de toda a experiência que eu posa ter em música por associar-me a ela por tanto tempo, devo confessar que somente com auxílio ma matemática, minhas idéias tornaram-se claras e a luz substituiu uma escuridão da qual eu não estava ciente." 
              Rameau, 1722


     A relação entre a música e a matemática é muita antiga. Na Grécia antiga, com as experiências de sábios como Pitágoras e Arquitas, até os séculos XVIII, com cientistas musicais tais como Saveur, Rameau, Daniel Bernoulli, Euler, Ohm, Fourier e Helmholtz, fortes contribuintes na explicação racional de fenômenos matemático-musicais como o Temperamento e Séries Harmônicas. Embora essa relação provavelmente fosse conhecida superficialmente antes dos pitagóricos, estes foram os primeiros a registrar e explorar essa relação. Os pitagóricos foram os únicos até Aristóteles a fundamentar cientificamente a música, começando  a desenvolvê-la e tornando-se aqueles mais preocupados por este assunto. Como principais teóricos musicais dessa escola são Pitágoras e Filolaus no período pré-clássico e Arquitas, Aristoxeno e Aristóteles no período clássico.
     Provavelmente inventado por Pitágoras, o monocórdio é um instrumento composto por uma única corda (berimbau???) estendida entre dois cavaletes fixos sobre uma prancha ou mesa possuindo ainda um cavalete móvel colocado sob a corda para dividi-la em dois. A princípio, seus experimentos evidenciavam relações entre comprimento da corda estendida e a altura musical do som emitido quando tocada (não confundir altura musical com altura do volume - altura musical é a variação entre altura dos sons graves, com frequência baixa e sons agudos, com frequência alta; e altura de volume é a variação da amplitude da onda, variando entre volume baixo e volume alto). Pitágoras buscava relações de comprimentos - razões de números inteiros - que produzissem determinados intervalos sonoros. Em seu experimento, observou que pressionando um ponto situado a 3/4 do comprimento da corda em relação a sua extremidade e tocando a corda ouvia-se uma quarta acima do tom emitido pela corda inteira. Analogamente, exercida a pressão a 2/3 do tamanho ouvia-se uma quinta acima e a 1/2 obitinha-se a oitava do som original.
     A descoberta da relação entre razão de números inteiros (1/2, 2/3 e 3/4) e tons musicais mostrou-se significativa naquela ocasião, gerando uma dúvida fundamental para o pensador de Samos: Por que as consonâncias musicais subjazem razões de pequenos números inteiros? Qual a causa e qual o efeito? Pitágoras justificou a subjacência de pequenos números inteiros às consonâncias pelo fato de que os números 1, 2, 3 e 4, envolvidos nas frações mencionadas, geravam toda a perfeição. Os pitagóricos consideravam o número quatro (primeiro quadrado par) origem de todo o universo, representando a matéria em quatro elementos. Com essas razões, poderíamos por exemplo, partindo de um fá e subindo uma quinta (2/3) obteremos um dó, que por sua vez subindo outra quinta teremos um sol, repetindo teremos um ré (oitava acima), seguido de lá, mi e si, formando a sequência fá, dó, sol, ré, lá, mi e si, e remanejando apresenta-se dó, ré, mi, fá sol, lá e si. Tal relação de comprimentos 2/3 chama-se gama pitagórica. Assim obtém-se as relações 8/9 com ré, 16/27 com lá, 64/81 com mi e 128/243 com si, formando os intervalos de tom, tom, semitom, tom, tom, tom e semitom temperados. Partindo da nota dó e construindo a escala pelo percurso de quintas, o ciclos fecha-se formando a sequência dó, sol, ré, lá, mi, si, fá#, dó#, sol#, ré#, lá#, fá e dó. Porém estas notas correspondem, na gama temperada, a aproximações dos sons de fato alcançados.
     Um dos mais importantes teóricos musicais do período clássico, Arquitas de Tarento (430-360 a.C.) colaborou de maneira significativa não somente para o desenvolvimento da música mas para o desvendar de seus fundamentos racionais. Escreveu trabalhos científicos relacionados ao cálculos de intervalos musicais e proporções musicais. Entre suas contribuições, há evidências que possivelmente modificou a antiga denominação da média subcontrária para média harmônica, provavelmente pelo fato do comprimento relativo ao intervalo de quinta (2/3), de grande valor harmônico para os gregos, ser a média subcontrária entre o comprimento da corda solta e aquele correspondente à oitava, intervalo consonante fundamental. Arquitas também foi o primeiro pensador a associar altura musical à frequência pela comparação de sons emitidos por ventos fortes e fracos e deslocando o foco de atenções da fonte de emissão de som para o ar, antecipando em 2000 anos o estudo da Acústica (propriedades física do som) por parte de Galileu no séc. XVII.
     O renascimento teve um profundo papel no estudo da Música com ciência, seguido de alguns aprofundamentos importantes neste período na compreensão das idéias de Série Harmônica e Temperamento. Na parte musical o Renascimento caracteriza-se pela evolução da polifonia - superposição de melodias - e consequentemente desenvolvimento da harmonia. Caracterizada por processos de matematização, experimentação e mecanização, a Revolução Científica nos séc XVI e XVII propiciou a emergência de interpretações e argumentações inovadoras. Realizando trabalhos matemáticos concernentes a esta área em seu tratado Música Teórica, Ludovico Fogliane (1470-1539) forneceu subsídios para que Gioseffe Zarlino (1517-1590) organizasse em sua obra Inztituzioni Armonique (1558) a base científico-cultural em toda Europa durante dois séculos. Modificando substancialmente a concepção pitagórica, Galileu Galilei escreveu em 1638 que nem o comprimento, nem a tensão e nem a densidade linear de cordas apresentava-se como razão direta e imediata subjacente a intervalos musicais, mas razões dos números de vibrações e impactos de ondas sonoras que atingiam o tímpano. Considerando o som que alcaçava o ouvido invés do objeto vibrante que produzia, Galileu verificou que a altura musical relacionava-se diretamente à frequência registrando rastros de arranhões desenhados numa placa metálica provenientes de uma haste vibrante solidária a uma membrana que recebia vibrações sonoras. A percepção por parte de Galileu no séc. XVII de que a sensação de altura musical relaciona-se diretamente ao conceito de frequência marca o início da física da música em sua concepção atual.
     O padre e matemático francês Marin Mersenne (1588-1648) que apresenta-se como primeiro teórico a fundamentar o estudo de harmonia no fenômeno da ressonância. Trocando correpondência assídua com René Descartes (1596-1650) Mersenne discutiu problemas e aspectos pouco claros do Compendium Musicae escrito pelo filósofo francês em 1618.Constatando a possibilidade de acompanhar visualmente  os movimentos vibratórios das cordas, o matemática francês utilizava o próprio pulso com intuito de marcar o tempo necessário para completar um determinado número de ciclos. Variando os comprimentos e tensões, Mersenne verificou empiricamente que para frequências visualizáveis, a vibração de um fio esticado era inversamente proporcional ao comprimento da corda se sua tensão fosse constante; diretamente proporcional à raiz quadrada da tensão  se o comprimento fosse constante e inversamente  proporcional à raiz quadrada da massa por unidade de comprimento, para fios diferentes de mesmo comprimento e tensão, chegando na fórmula descrita:
onde f é a frequência, l o comprimento da corda, n uma constante inteira, T a tensão que a corda encontra-se sujeita e p a densidade linear da corda. A partir de tal descoberta, a natureza das consonâncias é retomada à luz das leis de corpos vibrantes. A fórmula citada implica em reorganizações de Mersenne a respeito de médias harmônicas e aritméticas em música. Para o matemático francês, a média aritmética possuía caráter superior à harmônica, pois tomando números proporcionais às vibrações - causas primeiras do som - a quinta na posição inferior resultava na média aritmética dos números que caracterizam a oitava.
     O matemático, astrônomo e filósofo nascido em Wiel, Johannes Kepler (1571-1630) apresentou, além de preciosos legados em física tais como as leis dos movimentos dos planetas, fortes subsídios para a ciência musical. Com o falecimento de Tycho Brahe em 1601, Kepler assumiu seu posto trabalhando na organização de calendários e na predição de eclipses como matemático e astrônomo da corte do imperador Rudolfo II em Praga até 1612, estabelecendo-se mais tarde em Linz, onde concluiu e publicou seu Harmonices Mundi em 1619. Principal contribuição do astrônomo alemão à teoria musical, essa obra compõe-se de 5 livros - os dois primeiros relacionam a origem das 7 harmonias com arquétipos inerentes à geometria e à Deus; o livro 3 apresenta um tratado sobre consonância e dissonância, intervalos, modos, melodia e notação; o livro 4 discorre sobre astrologia enquanto o volume 5 aborda a Harmonia das Esferas. O cientista alemão verificou empiricamente a existência de oito consonâncias: uníssono (1/1), oitava (1/2), quinta (2/3), quarta (3/4), terça maior (4/5), terça menor (5/6), sexta maior (3/5) e sexta menor (5/8). Dentre suas contribuições em música, Kepler defendia a existência de escalas musicais peculiares a cada planeta, que soavam como se estes cantassem simples melodias, relacionando para isso velocidades dos planetas às frequências emitidas.
     O compositor e teórico francês, Jean Philippe Rameau (1683-1764) iniciou seus estudos com seu pai que era organista profissional, frequentando durante a infância uma escola de jesuítas e cumprindo mais tarde um pequeno período de estudos na Itália. Em 1702, tornou-se maitre de musique da Catedral de Avignon, transferindo-se nesse mesmo ano para Catedral de Clermont e tornando-se em 1706 organista do colégio jesuíta em Paris. Em 1722, supervisionou a publicação do seu Traité de l'Harmonie, obra em que apresenta uma nova teoria sobre relação entre o baixo e a harmonia, baseada em suas concepções das propriedades físicas do som.
     O Traité de l'Harmonie compõe-se de 4 livros. O primeiro discorre sobre a relação entre relações harmônicas e proporções, o segundo  trata da natureza e propriedades dos acordes e tudo que pode ser utilizado para se atingir a música perfeita, o terceiro e quarto livros estabelecem respectivamente  princípios para composição e acompanhamento musicais. Somente o primeiro livro possui uma abordagem da música à luz da ciência. Segundo Rameau, a música é a ciência dos sons, portanto o som é principal matéria da música. Dividindo esta arte/ciência em harmonia e melodia, o teórico francês subordinou esta última à primeira, admitindo  que o conhecimento de harmonia é suficiente para a compreensão completa das propriedades da música. Estabelecendo uma relação biunívoca entre som e tamanho da corda, o teórico afirmou que cada corda contém em si mesma todas as outras menores que elas, mas não aquelas que são maiores; portanto os sons agudos estão contidos em sons graves, porém os sons graves não estão contidos nos agudos.
     Assim como Zarlino e Descartes, Rameau obteve os intervalos consonantes dividindo a corda em até 6 partes, afirmando que às consonâncias, subjaziam números consecutivos e que a ordem de tais números determinava a ordem e perfeição  das consonâncias. Segundo tal critério, a oitava - 1:2 possuia caráter mais consonante que a quinta - 2:3 - que por sua vez, apresentava-se mais consonante que a quarta - 3:4 - e assim por diante. Esta afirmação de Rameau mostrava-se ineficaz, uma vez que a sexta maior - 3:5 - além de não ser produzida por números consecutivos, não precedia a terça maior - 4:5 - nem a terça menor - 5:6.

     Segue abaixo a tabela dos intervalos músicais e as razões matemáticas:

Intervalo                 - Razão        - Nota (considerando Dó como a corda inteira)
Primeira justa         - 1 Corda     - Dó
Segunda menor      - 128/135     - Dó# ou Réb
Segunda maior       - 8/9             - Ré
Terça menor           - 5/6             - Ré# ou Mib
Terça maior            - 4/5             - Mi
Quarta justa            - 3/4             - Fá
Quarta aumentada  - 32/45         - Fá# ou Solb
Quinta justa            - 2/3             - Sol
Sexta menor           - 5/8             - Sol# ou Láb
Sexta maior            - 16/27         - Lá
Sétima menor         - 5/9             - Lá# ou Sib
Sétima maior          - 8/15           - Si
Oitava justa            - 1/2             - Dó (1 oitava acima)

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

O verdadeiro formato do Sol

sol
     Nosso planeta é esférico com algum achatamento, só que ele é um planeta composto por substancias solidas, já o Sol é composto 81% de hidrogênio, 18% de hélio e 1% de outros elementos, até pouco tempo atrás se imaginava então que o sol tinha um formato extremamente instável e aleatório, porem, recentemente novas descobertas foram feitas!

     Uma bola de aparência incandescente que ilumina os dias, o Sol de fato é o objeto natural mais redondo medido pela ciência. Mas não é na verdade tão esférico quanto parece, conforme vêm mostrando astrônomos. Ele é achatado e menos mutável do que se imaginava, de acordo com artigo publicado no site daScience. “Tivemos acesso a um grande volume de dados que nos renderam medições mais precisas do que as anteriores”, explica o astrônomo Marcelo Emilio, do Observatório Astronômico da Universidade Estadual de Ponta Grossa, no Paraná. Mais do que uma curiosidade sobre a esfera celeste, o formato afeta a órbita dos planetas que gravitam em torno dele.

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     O equipamento, a bordo do satélite da agência espacial norte-americana (Nasa) lançado no início de 2010 e batizado como Observador Dinâmico Solar (SDO), capta uma imagem do astro a cada 4 segundos. Além disso, para obter as medidas de achatamento é preciso fazer com que o satélite gire 360° sobre si mesmo, captando imagens solares durante essa rotação. O grupo de Emilio, que inclui pesquisadores da Universidade Stanford, na Califórnia, e da Universidade do Havaí, pôde fazer essa manobra de seis em seis meses. A partir dessas imagens, Emilio considera ter chegado a uma definição do formato do Sol mais precisa do que estava disponível até agora – refinando inclusive trabalho dele próprio publicado em 1997 a partir de dados gerados por outro equipamento da Nasa, o Observatório Solar e Heliosférico (Soho). Tão precisa que detecta um achatamento muito sutil: se o sol fosse uma bola de um metro de diâmetro, seu diâmetro equatorial seria apenas 17 milionésimos do metro maior que o diâmetro polar Norte-Sul. “A grande massa do Sol tende a fazer com que fique redondo, contrariando o achatamento causado pela rotação”, explica o astrônomo.

     Para analisar o interior do Sol, as únicas maneiras são estudar os neutrinos – partículas que são lançadas de lá e em 8 minutos chegam à Terra e a atravessam quase como se ela não existisse, explica Emilio – ou as ondas sísmicas que se propagam como terremotos pelas camadas do Sol, por isso conhecidos como heliomotos. “Agora medimos a parte visível por inteiro”, afirma o pesquisador, que em trabalho anterior estimou o diâmetro do astro em 1.392.684 quilômetros.

sol 2     A natureza gasosa do Sol torna sua rotação muito mais complexa que a da Terra, um planeta rochoso. “Não é um corpo rígido, seu equador gira mais depressa que os polos”, detalha. Por isso, trabalhos anteriores postularam que o formato externo varia a cada ciclo solar, que dura 11 anos. Para Emilio e seus colegas, porém, o formato mais simples do Sol – quando se considera os dois polos e o equador – é fixo. Medições posteriores ainda devem definir se há variação em aspectos mais detalhados dessa estrutura geométrica.

     O astrônomo do Paraná estima que as novas medições devem ser bem recebidas pela comunidade especializada, apesar de contradizer hipóteses anteriores, devido ao volume de dados que englobam. Mas não é o fim da história: “Agora o pessoal da teoria vai refinar os modelos existentes”, prevê, se referindo a modelos matemáticos que congregam características como composição química, densidade e tamanho. À medida que mais informações são incorporadas, os pesquisadores alteram os parâmetros do modelo até chegar a um encaixe satisfatório entre teoria e observação. No que diz respeito à publicação, a discussão pode começar depressa: apenas uma semana se passou entre o artigo ser aceito pela Science e publicado em seu site na rubrica ScienceXpress, que disponibiliza publicações antes que saiam na revista impressa.